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Texto:. Hugo Ricardo (RJ)
1ª ETAPA – 9/1/2000 Rio (Início da Rio-Santos BR 101) à Vila do Frade (Angra dos Reis RJ) Média 17,1 km/h 117,40 km 6:39:42 hs de pedal. 8 horas da manhã. No início houve 17 km planos até o início da 1ª subida longa . Final dessa primeira e temida subida vem o 1ª túnel. Aí tive a sensação que ganhei a Rio-Santos. O que era dúvida, um certo receio, medo de não ir até o final, foi-se. A estrada é minha. Vou até onde quiser. O primeiro trecho até o início da cidade de Angra é rico em paisagens magníficas, de pedal é cinematográfico pois não estou limitado ao "casulo" do automóvel . Nessa 1ª subida , à direita existe um lindo vale, com vegetação diversificada e uma casa indicando que o lugar tem dono. Mas é imenso e cortado por um rio cujo leito estava seco. Diferente é uma imensa escada construída nesse leito, pro rio descer a montanha. È do lado onde estou subindo mas distante e no meio dando uma certa imponência ao local. Depois fui me acostumando com cenas legais , como as descidas que parecem acabar dentro do mar. Os 2 túneis não são assustadores como parece indo de carro, porém o 1º é bastante poluído. Existem algumas quedas e fontes d’água ao longo, onde se pode refrescar com água gelada embora o sol esteja escaldante. Começam os contatos com gente simples , vendedores de banana e outros, que são um capítulo a parte num banho de humildade e humanidade Fora esse lugar não encontrei nada para comer até Angra. Quando me aproximo da cidade avisto favelas, pobreza e biroscas. Foi numa dessas que parei para tomar água que o Fernando não quis cobrar nada. Tomei um banho com a garrafa de 2 L . Aí ele ligou um puta som com música country muito legal. O que estava tomando cachaça ao lado me pergunta de onde venho. Eles acham o máximo e me tratam como herói. Fernando chegou a oferecer a casa dele caso não encontrasse abrigo. Eram 12:45 hs, 86 km pedalados. Até aí o acostamento é bom, depois começa a buraqueira. Como já tinha chegado ao primeiro objetivo e não sabia direito da minha resistência achei que desse ponto em diante tudo seria lucro. Se o termômetro da cidade marcava 38º o asfalto estava 50. O calor voltava do chão para o rosto porém suportável. Resolvi chegar aos 100 km e como não sentia nada fui até os 117. Esse trecho Angra-Frade é muito ruim , tanto o acostamento que está péssimo , como a estrada com muitos buracos. O caminho aqui já não está tão belo. Há trechos mais planos e retas longas. Árido. No dia seguinte a boa notícia : não estava sentindo nada, só os músculos do joelho "diziam" que tinham feito um esforço anterior. Tinha feito um desjejum de banana com aveia e fiz uso do "Flash Power" (metade da lata) na fase final do dia depois dos 100 km.. Fora os 2 Marathon e 1 repositor chamado Arizona. (Isto foi todo dia). Aprendi: água correndo pelo acostamento criam fendas perigosas . Outra: olho permanente no retrovisor . Não houve nenhum susto, mas quando vem um ônibus nas subidas, onde há 2ª faixa de rolamento e nenhum acostamento, faça um sinal de positivo que ele se afasta de você e até buzina. Quem encontrei: logo no início um grupo de 6 "speed" . Eles não vão longe, mas numa batida forte. Acho que esse grupo foi até o primeiro túnel e voltou. Encontrei-os retornando no início do primeiro subidão. Perto do túnel passou por mim mais um speed – o Sebastião. Em 5 min de subida foi aquela amizade. Ele é dono de uma bicicletaria em Bangu. Uma figura: usava o capacete por cima de um inseparável e encardido boné. Despedimo-nos pois ele seguia para Mangaratiba à toda. Dentro do túnel ele desapareceu.
2º ETAPA – 11/1/2000 Vila do Frade – Rio Quirimirim 121,18 km 17,4 km/h - 6:45:29 horas/pedal Assim que saí encontrei Rení e Marcio, cicloturistas vindos de Cabo Frio. Cada um levava +- 40 kg de bagagem, segundo eles. Foi aquela festa. A princípio achei que não podia acompanha-los. O Rení ia na frente, leve, solto, puxando o meio gordinho Marcio, que ficava lá pra trás. Tiramos fotos e trocamos telefones . Daí seguiram em frente para pararem na Usina de Angra II e não mais vê-los. Eles conhecem o pessoal da Equipe Cicloturismo pois parece que estiveram juntos em Cabo Frio tempos atrás. Até este ponto eles já tinham furado 3 pneus e rasgado 1. Este dia foi mais quente que o anterior. O vento parou, havia mais retas e a estrada ia distanciando um pouco do mar. A paisagem muda e chego a Paraty. Compro um novo óculos, pois por incrível que pareça, esqueci o original numa das bicas que tomei banho. Lembrei um subidão depois. Aí, já era, preferi o prejuízo pois o dito era dos baratinhos ($15). Após Paraty, no lado oposto, tem uma "cachaçaria" num lugar arborizado e ducha. Tem pão com lingüiça. Venci a tentação e segui prometendo um dia parar ali. Seguem mais subidas e descidas médias até um subidão de 4 km ( o maior até agora) . Nas descida passei dos 60 km/h Nessa descida tem uma cachoeira chamada "Escada". Muitos carros parados, embora esse trecho desde Paraty tenha pouco tráfego. Nessa mesma descida entramos no Parque da Bocaína que é floresta intocada dos dois lados. Bichos correm por todos os lados, enquanto passo mas não consigo ver nenhum , só ouço o barulho no mato. Nesse momento começou a 1ª preocupação : ao sul as nuvens estavam muito pretas e os raios riscavam com vontade. Em 30 km não tem nada, só um retiro de jesuítas e um posto que parece um oásis com mini- mercado e tudo. Perto do Rio Quirimirim apreciei um dos instantes mais belos da natureza: o sol estava indo embora e o silêncio na reta era absoluto. Quando despontei nela o canto maravilhoso de centenas de animais e aves se despedindo do dia. Sons que nunca ouvi. O ápice desse canto se dá alguns minutos da passagem de algum carro, pois a maioria silencia. Aliás, este é um dado singular da aventura: o silêncio. Pedalei muitos km's , mas muitos mesmo no silêncio absoluto da estrada, só quebrado pela ação da natureza, o vento, o canto de aves, o rastejar de animais. A chuva felizmente não se confirma e deságua na montanha. Nessa área os rios que desembocam no mar já são mais largos também. Duro mesmo só o barulho ensurdecedor do calor. Parece que os ouvidos tapam na hora do sol a pino. Assim mesmo !
3ª ETAPA – 12/1/2000 Rio Quirimirim - Ilhabela SP 112,96 km 17,4 km/h - 6:19:05 hs de pedal Quando penso que a média vai aumentar, vem as subidas brabas. O primeiro trecho até Ubatuba acontece com mais sol e o trânsito começa a aparecer. Nota-se que estamos em território paulista. Os veranistas vão pra lá e pra cá. Até aqui tinha dado sorte pois o trânsito sempre esteve no sentido contrário. Em Ubatuba há muita gente. Do alto, em alguns trechos se avista belas enseadas, mas o sinal de civilização já é evidente por todo lado. Pequenas favelas, condomínios granfinos, um restaurante Sushi no meio do mato e por aí vai. Ubatuba é comprida. Se anda uns 10 km de praia, com casas o tempo todo. As subidas agora são curtas e mais íngremes. Após Ubatuba o perigo: o acostamento desaparece. É terra, toda irregular e na maior parte sem condições nem para os carros entrarem. Mais 2 subidões após Ubatuba, trafegando sempre em cima da faixa que divide a pista do "acostamento". Olho esperto no retrovisor quando vinha um caminhão ou ônibus. O jeito era pular pra fora da estrada, que já é por si só é estreita. Foi um sufoco. Não passou pela cabeça desistir , mas esse trecho não tem graça nenhuma. Até porque não haviam caminhões no caminho. Antes de chegar a Caraguatatuba outra grande subida. Na descida , feita com cuidado, já observava outra tempestade se armando. Mas essa foi de verdade e me pegou, felizmente no centro de Caraguá. Choveu tanto que até os carros pararam. Pra mim sobrou um boteco onde fiz amizade com o pessoal. Um deles morou no Rio e em 1 hora que durou a tormenta rolou até fotografia com promessas de retorno e tudo mais. Mas essa hora foi a minha desgraça, pois contrário aos meus princípios, comi uma bendita porção de tremoços com queijo que fez efeito quilômetros à frente. A cidade de Caraguatatuba é também grande e você é obrigado a pegar a rua da praia. Parece cidade grande, com ciclovia e tudo. A saída para São Sebastião é longa e chovia ainda quando botei o pedal na estrada. Agora sem acostamento, muitos trechos alagados e trânsito. Não fosse só esse infortúnio, a dor de barriga atacou braba. Só deu tempo de sair da estrada, entrar num bar e pedir socorro. Para minha felicidade lá atrás estavam a privada, um "Lorenzeti" e um sabão me esperando. Dos males o menor. Saí dali mais aliviado, mas a bunda estava virando uma lareira e isso só foi resolvido à noite, com bastante "Hipoglós" .
Neste lugar, ou deste lugar em diante é obrigatório o uso do "Autan"(repelente) pois o Borrachudo é um capítulo à parte. Aliás não consigo entender como o pessoal consegue conviver num lugar tão lindo, praias paradisíacas , residências milionárias, com um mosquito que ataca o tempo todo, em todo lugar e todo mundo! Valha-me Deus!
4ª ETAPA – 14/1/2000 Ilhabela – Bertioga SP 108,5 km 15,6 km/h - 6:42:53 hs de pedal O pior trecho da aventura. Logo após a balsa, em Ilhabela, começa uma subida de nada menos que 20 KM! Só amenizadas por retas curtas em Guaecá, Maresias e Boiçucanga. Mas as descidas para essas praias não compensavam as enormes e íngremes subidas. Tudo era íngreme e eu não fazia a menor idéia do que vinha pela frente. Nos trechos anteriores vinha obtendo informações e todos diziam que o bicho ia pegar. Mas a informação de quem não anda de bicicleta é sempre diferente da realidade porque , prá eles, é difícil entender como a gente sobe qualquer uma delas. Então, eu não tinha a dimensão exata da coisa. Sem falar que alguns procuravam animar dizendo que depois tudo seria plano. Certo, mas 20 km depois ! Foi a mais dura experiência em subida. Era a Serra do Mar. Você vê duas ou três curvas após 5 – 10 km e pensa: "Bom, essa deve ser a última". E quando chega lá aparecem mais 4 ou 5 curvas com mais subidões. Velocidade de 6 km/h, quase andando. As praias ficando pequeninas lá embaixo. Teve momentos de vontade de chorar. Faltando 4 km parei numa casa e chamei por alguém , pois essa serra não tem fontes para banho ou para beber. Aí apareceu o Sandro e esposa, caseiros, que me ofereceram sua própria casa para um bom banho. Lá estava o salvador "Lorenzeti" de novo. Água forte e fria. Na saída me alertaram para os assaltos que estavam acontecendo por lá. Segui adiante, mas foram 4 km de sufoco total. O trinômio sede+calor 40º+ subida 45º me pegou firme. Pesou também a desidratação dos 2 dias anteriores. Aí tem que se manter o equilíbrio mental e ter consciência que o raciocínio não está perfeito, mantendo a atenção para não se dar uma guinada errada no guidom, involuntária, senão aí o bicho pega. Lá no topo deu vontade de chorar de novo e eu não fiz de rogado, chorei mesmo e vibrei. Alone, claro.
Corto vários rios (Saí, Una, Guaratuba, Itaguaré). Uma observação : Maresias e Boiçucanga são beach-points curtos muito bem freqüentados. Gente bonita, butiques e vários restaurantes. Passando a divisa de Bertioga aí começam as retas até a cidade e o acostamento reaparece com boa qualidade. Para terminar o dia, formou-se nova tormenta em cima de Bertioga. Os trovões e os raios no estilo Spilberg me fizeram, por cautela, parar num abrigo qualquer. A chuva intensa na verdade estava uma delícia e por ela só eu iria em frente pois o piso estava bom.
5ª ETAPA (última) 15/1/2000 Bertioga – Guarujá 38,72 km 18,8 km/h - 2 horas cravadas de pedal Essa etapa final foi curta e teria sido mole se não estivesse sentindo no corpo as subidas do dia anterior. Deu prá levar bem pois o acostamento é ótimo, muitas retas e apenas uma subida leve. Cheguei no Guarujá 11:30 hs e na entrada da balsa para Santos considerei minha viagem terminada. Afinal ali (na balsa ) não ia pedalar mesmo , então optei por retornar agradecendo a Deus o privilégio que tive nesses 7 dias inesquecíveis com minha maravilhosa, vermelha Ferrari e que ainda brilhava apesar do barro.
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