Cicloturismo

Pedalando de Salvador a Porto Seguro

Texto: Alfredo Borba.

Parte 1
Parte 2
Mapa
Planilha

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Dando continuidade ao nosso projeto de conhecer todo o litoral do Nordeste, de bicicleta, planejamos uma viagem de Salvador a Porto Seguro, com os mesmos critérios das nossas viagens anteriores entre João Pessoa e Salvador (Ver Bici Sport Ano XI, No 73), ou seja , evitando as rodovias mais movimentadas e percorrendo caminhos através de praias e lugares cujo acesso é ainda difícil. O litoral do Nordeste ainda tem lugares assim, com sua beleza natural e os costumes de seus habitantes preservados. O cicloturismo é o meio ideal para se conhecer esses lugares e sua gente, pois com uma boa bicicleta é possível percorrer quase todos os tipos de terrenos, fazer travessias de rios em pequenas embarcações, sentir todas as nuanças da natureza em volta e , através da curiosidade despertada, estreitar o relacionamento com as pessoas da região.

Com tudo preparado, isto é, planilhas do percurso, mapas, ferramentas, sobressalentes, alimentos, alforjes, barracas, sacos de dormir, etc; partimos de Aracaju, onde moramos, para Salvador de carro equipado com rack para as bicicletas. A viagem começou de fato no terminal do "ferry boat" na cidade baixa de Salvador, às 18 horas do mesmo dia, um sábado, onde preparamos as bicicletas e embarcamos para a ilha de Itaparica. Atravessamos quase toda a ilha, já à noite, até a praia de Berlinque, onde pernoitamos no camping local após 30 Km de adaptação ao peso das bicicletas carregadas.

Na manhã seguinte seguimos para Cacha-Pregos, praia próxima à Berlinque, na extremidade da ilha de Itaparica, já no canal que separa a ilha do continente. Lá conseguimos sem dificuldades alugar um barco à motor para a travessia de aproximadamente 1h15, até a cidade de Jaguaripe, na margem do rio que deu o seu nome a cidade. Esta região, repleta de manguezais e com uma fauna rica, é conhecida como o "pantanal baiano". Jaguaripe é uma cidade que, como tantas no Nordeste, se orgulha mais do que foi no passado. Suas construções e igrejas antigas, quase em ruína, testemunham uma época de prosperidade quando era um dos principais portos de exportação de produtos da região, como coco, piaçava e dendê. De Jaguaripe pedalamos 12 Km por uma estrada asfaltada sem acostamento, serpenteando na sua maior parte na crista de uma pequena serra, até o entroncamento com a BA-001, a nova rodovia litorânea sul da Bahia. Seguimos então pela BA-001, na direção de Valença, aproveitando a pedalada por essa bonita estrada, que apesar de ter um acostamento muito estreito é bem sinalizada e corta um região muito bonita, repleta de plantações de dendê. Neste dia pernoitamos em Guaibim, um praia próxima a Valença, à 14 km da BA-001. De Guaibim se avista a badalada praia de Morro de São Paulo, na ilha de Tinharé.

No dia seguinte continuamos a viagem pela BA-001 com o objetivo de pernoitar em Camamu. Logo cedo, próximo a Valença, passamos por um riacho com o sugestivo nome de "Sonrisal", com uma pequena barragem onde a água escoa por dois canos formando bicas. Mesmo atrasados em relação ao nosso planejamento não resistimos a um banho demorado. Almoçamos em Valença, uma cidade muito movimentada, cortada ao meio pelo rio Una, de onde saem os barcos para Morro de São Paulo. Infelizmente não dispúnhamos de tempo para incluir Morro de São Paulo no nosso roteiro, mas recomendamos àqueles que passarem por Valença não perder a oportunidade de conhecer um dos lugares mais bonitos do litoral do Nordeste. Seguindo pela BA-001 passamos por Taperoá, Nilo Peçanha e Ituberá, num trecho muito bonito onde a estrada passa por manguezais, por plantações de dendê e trechos de mata com cacaueiros, oferecendo muita sombra e poucas ladeiras. Cerca de 6 Km depois de Ituberá encontra-se a estrada de acesso para uma das maiores cachoeiras da Bahia: a cachoeira da Pancada Grande, com 75 metros de altura. São 2 Km de terra até a cachoeira, que percorremos já no fim da tarde, com a claridade diminuída pela mata e o barulho crescente da queda d'água. Valeu a pena não ter cedido ao receio de pegar a estrada de terra à noite, pois presenciamos um raro espetáculo da natureza, com a lua iluminando a queda d'água e as pedras do rio, cercados pela mata, totalmente esquecidos do tempo e do planejamento. Só chegamos em Camamu por volta das 21 horas. Esta cidade já foi, no século passado, a cidade mais importante da Bahia, depois de Salvador. Divide-se em cidade alta, de onde sobressai a igreja matriz, e cidade baixa onde fica o mercado e o porto. É localizada no fundo da baia de Camamu, a terceira maior do litoral brasileiro, menor apenas que as baias de Todos os Santos e Guanabara.

O terceiro dia da viagem começou com um café-da-manhã tão simples quanto o hotel em que pernoitamos, próximo ao porto. Antes mesmo de sair do hotel já tínhamos negociado o aluguel do barco que nos levaria a Barra Grande, no outro lado da baia de Camamu, numa travessia de 1h40'. Barra Grande é um povoado que fica na ponta do Mutá, entre a baia de Camamu e o mar aberto. Encontramos em Barra Grande o que procurávamos: Praias lindas e praticamente desertas, cujo acesso difícil deve mantê-las assim por mais algum tempo. Nossa meta neste dia era Itacaré, mas como já sabíamos, não havia estrada direto de Barra Grande. As opções eram pedalar cerca de 55 km pela praia e atravessar algumas barras de rio ou enfrentar 90 km de terra, em uma estrada péssima, até a BR-101 e mais 60 Km de terra até Itacaré. Fomos informado que existe uma estrada de terra entre Maraú e Itacaré, mas tínhamos que atravessar o rio de Contas, pois não existe ponte. Depois de alguns metros testando a areia, decidimos sem hesitação pedalar pela praia. Após uns poucos quilômetros a maré alta nos forçou a parar e esperar algumas horas. Já era tarde, passava das 16 horas, estávamos completamente atrasados, mas deitados sob o coqueiral esperando a lua nascer naquele mar, de um azul profundo, desejávamos, no íntimo, que a maré permanecesse alta por muito mais tempo. Mas a maré recuou, mesmo assim, nos dando passagem e voltamos a pedalar, agora sob a luz da lua, que tornava desnecessários ligar os faróis. Atravessamos duas barras de rio sem grandes dificuldades, com água pouco abaixo do joelho, carregando as bicicletas. Mas na barra do rio de Contas, vendo Itacaré se estendendo na outra margem, já nos preparávamos para armar as barracas na praia deserta, quando ouvimos ao longe um motor de barco ser ligado e, para nossa surpresa, vir na nossa direção, atendendo aos sinais de luz que fizemos sem muita convicção, pois já passava das 23 horas. Em poucos minutos estávamos de volta ao conforto da civilização após passamos por uma situação em que nos víamos obrigados a acampar numa praia deserta, famintos, sem água doce, após um dia cansativo. É esse o segredo do cicloturismo: cada minuto, cada quilômetro traz um surpresa. Vivemos em um dia o que levamos, às vezes, meses para viver na rotina da cidade.

Itacaré fica na foz do rio de Contas, cercada por matas e praias virgens. Já conta com uma razoável estrutura, mas ainda não sofreu uma invasão incontrolável do turismo e da especulação imobiliária, graças ao acesso ainda precário por estradas de terra e à consciência dos seus habitantes, que procuram encontrar um equilíbrio entre a oportunidade de progresso acarretada pelo enorme potencial turístico e a preservação da beleza selvagem de suas praias.

O nosso objetivo para o dia seguinte era chegar em Ilhéus, num percurso de 80 Km em estrada de terra. Já saímos de Itacaré um pouco tarde, 10 horas, e logo nos primeiros quilômetros sentimos que teríamos pela frente um dia duro. O Trecho de 30 Km até a Ponta da Serra Grande foi um dos mais marcantes da viagem. A estrada corta uma região coberta de mata e muito acidentada, com muitas descidas e subidas íngremes e um calor infernal. Os freios e a "coroinha" trabalharam pesado nesse dia. No entanto, o esforço foi plenamente recompensado pela beleza da região e pelos banhos nos riachos que surgiam sob pontes de madeira ao pé de quase todas as ladeiras. Entre descidas arrepiantes, subidas penosas, banhos de rios, descanso à sombra da mata e prosas com pessoas do lugar, levamos o dia todo para chegar no povoado de Serra Grande. Já passava das 18 horas e tínhamos percorrido apenas 30 Km! O povoado marca o fim da região acidentada, após uma descida extremamente íngreme a estrada torna-se plana e aproxima-se da praia, mas como que para compensar passa a ter costelas de vaca e trechos com areia solta (Nota: essa estrada atualmente está asfaltada). Por volta das 23 horas encontramos uma pousada e decidimos, já exaustos, parar para dormir, apesar de ainda faltar mais de 30 km para Ilhéus.

 

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